Arquivo do mês: março 2009

Dellamorte Dellamore (1994), de Michele Soavi

48cemeterymanQue filme excêntrico. Soavi, que camelou como diretor assistente de Lamberto Bava, Joe D’amato e Dario Argento, faz aqui um filme único no tom ao mesmo tempo delirante e displicente. Rupert Everett, surpreendentemente bom, é o coveiro num cemitério em que os mortos, depois de sete dias, levantam-se das covas. Seu trabalho, encarado com naturalidade, é enfiar balas na cabeça dos zumbis e reencaminhá-los para a tumba. Com relativamente pouco gore, Soavi faz uma mistureba curiosa de horror, romance, comédia e drama, embalados numa trama que talvez se preste a interpretações desvairadas sobre seu real significado – seria a manifestação da psique conturbada de um dos personagens secundários? Não sei. A graça aqui é ver como Soavi amarra tudo num trabalho de câmera e edição muito criativo e divertido de se ver. Dá gosto.

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Redacted (2007), de Brian De Palma

47redactedEstranho e virulento filme-colagem de De Palma, que foge aqui de seu formalismo brilhante em favor de um trabalho raivoso e irreconciliável de questionamento da mídia e da imagem gravada – e, claro, da própria guerra no Iraque. Filmado de forma a reproduzir as imagens toscas de vídeos de YouTube, câmeras digitais amadoras e reportagens de televisão, De Palma trata do episódio em que um grupo de soldados norte-americanos estupra uma garota iraquiana e a mata, assim como sua família. A mensagem anti-guerra é tão enfática que quase encobre a discussão mais sutil em torno da artificialidade nessas imagens – “essa câmera não mente”, diz o soldado “estudante de cinema” que filma tudo à sua volta; “isso é besteira”, responde o outro. É curioso como no filme a lente atua como catalisadora, ou pelo menos influenciadora, dos eventos registrados – é o relato filmado que parece conduzir o entrevistado a uma conclusão qualquer, a decapitação encenada para a câmera, o desabafo agravado pelo registro online. Ela, mais do que mentir, levaria a própria realidade a se distorcer para caber em seu molde.

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Bring Me the Head of Alfredo Garcia (1974), de Sam Peckinpah

46Daqueles filmes aparentemente pensados e produzidos em torno do título – e que belo título. Deve ser a obra-prima do Peckinpah. Warren Oates interpreta Benny, o pianista americano que parte em busca do tal Alfredo Garcia, cuja cabeça foi posta a prêmio por um coronel mexicano por ter engravidado sua filha. Garcia, no entanto, já está morto – acidente de carro. Mas a recompensa – ódio puro, irracional e, diríamos, pouco pragmático – exige apenas a cabeça do cara, não importa o contexto em que ela tenha sido separada do corpo. Mais que uma história em que a violência se perpetua num círculo vicioso de início arbitrário, Peckinpah filma com delicadeza a discussão de relação de Benny e sua namorada prostituta, faz suas tradicionais sequências de ação em câmera lenta (gloriosas, como sempre) e ainda esquadrinha o molde tarantinesco nas surreais cenas em que Benny conversa com a cabeça em estado de putrefação de Alfredo Garcia. Sensacional.

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Dirty Work (1998), de Bob Saget

45dirtyworkO interesse aqui é o GÊNIO Norm Macdonald, ex-integrante do “Saturday Night Live” e comediante especializado num tipo de humor difícil de fazer e de se fazer entender, que é o da piada de contrapé, do comentário surreal, de um certo tipo de aleatoriedade com frequente tendência ao ofensivo (assistam a este exemplo, por favor). Neste filme lotado de pontas de gente boa e conhecida (Chris Farley, Adam Sandler, Chevy Chase, David Koechner, Don Rickles etc), Norm, também roteirista, cria uma história de vingança que é o cúmulo do banal e a transforma num exercício de criação de situações e diálogos estranhos e de punchline às vezes pouco óbvio. É uma das razões que fez do filme um fracasso absoluto de crítica e público – ao mesmo tempo que aparenta ser uma comédia ordinária, sua entonação foge completamente do padrão.

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Milk (2008), de Gus Van Sant

44milkPosso estar muito errado sobre isto (claro), mas vejo nessa cinebiografia uma falta de carinho em relação ao seu assunto, o político e ativista gay Harvey Milk. Trata-se de um personagem muito amado por outros personagens – principalmente o do ótimo James Franco, o ator mais caloroso em atividade – mas usado como uma ferramenta ideológica pelo roteiro e pela direção. O filme descarta quase completamente o passado de Milk antes de sua decisão de se tornar político. É, para todos os efeitos, um instrumento de persuasão. Sean Penn é maravilhoso no papel, mas é uma interpretação que me parece ter suas engrenagens tão expostas quanto a do próprio filme: Penn parece buscar um Harvey Milk irresistivelmente carismático como forma de contrabando de um discurso monolítico de igualdade sexual – perfeitamente louvável e até mesmo bonito, mas que torna o filme um discurso reto e obtuso.

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Watchmen (2009), de Zack Snyder

43watchmenposterfinalEscrevo ainda em processo de digestão, mas meu juízo desse primeiro contato com o filme está indefinido basicamente na intensidade do desgosto, se profundo e irremediável ou apenas profundo.

Como convém entre quem escreve sobre “Watchmen”, registro que li a HQ e dela sou fã entusiasmado, além de integrante do clube “Watchmen é infilmável, DESISTAM”. A suspeita um tanto obtusa está, imagino, confirmada em parte. Por mais que a ânsia replicadora de Zack Snyder tenha rendido um filme bem próximo da superfície dos quadrinhos, o que de melhor Alan Moore e Dave Gibbons criaram parece ter ficado de fora.

Tento, aqui, julgar o filme por seus méritos na tela, mas é difícil separá-lo totalmente do material original – diabos, o próprio diretor e o estúdio divulgaram à exaustão o cuidado com a fidelidade à obra original. É justo considerá-la no horizonte, ao menos.

O tom do filme, por exemplo. Enquanto a HQ lida o tempo todo com oposições, ambiguidades, paradoxos e contradições a partir de diversos pontos de vista, o filme assume Rorschach como condutor, figura tratada como heróica e trágica, mesmo que doentia. Há um vilão evidente, há cenas de ação eufóricas, há um final excessivamente arrastado e dramático – tudo o que a HQ e sua lógica interna evitavam. Elementos, no entanto, que podem até fazer sentido numa adaptação menos ambiciosa.

Mas Snyder é ambicioso – o cuidado com os enquadramentos e com a direção de arte impressiona -, apesar de limitado nos seus recursos dramáticos. Trata-se de um filme longo que parece apressado. Identifico o mesmo defeito (em menor escala) que vi em “Sin City”, outra adaptação dos quadrinhos: o ritmo de uma HQ, ditado pela posição, quantidade e tamanho dos quadros, parece ser achatado na transição para a tela numa sequência virtualmente incansável de cenas sendo empilhadas. Como o filme é todo articulado numa só intensidade, seu fim se esvazia e a sensação geral é de dormência. Problema de adaptação fiel demais (no que não deveria) e inteligente de menos.

Há alguns momentos bons, como os flashbacks do Dr. Manhattan e sua origem, agridoces e estranhos, uma pequena peça de sci-fi bem polida em meio a um acidente de grandes proporções. A sequência dos créditos iniciais também funciona bem, com sua criação astuta de um todo um imaginário em torno da figura dos heróis ao som de Bob Dylan – provavelmente a única cena em que o uso da trilha funciona de verdade, com a já infame cena de sexo no lado oposto da escala.

O filme ao menos parece ter o grande mérito de ser polarizador, de pedir que seja discutido e pensado. Alan Moore tem boa parte de responsabilidade, mas Snyder também merece algum crédito. Sem ironia: foi até que uma boa tentativa.

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Frost/Nixon (2008), de Ron Howard

42frostnixonDepois do fim do filme, o impulso inevitável é de correr ao YouTube e caçar cenas da entrevista real de David Frost com Richard Nixon. Tenho dúvida se esse movimento diz algo contra ou a favor do filme. O cerne aqui é, claro, o embate psicológico (mais que intelectual) entre os dois personagens, que Ron Howard consegue reproduzir com habilidade. Mas a origem televisiva do assunto parece contaminar a linguagem, com aqueles entediantes depoimentos “documentais” dos personagens, um artifício que me parece preguiçoso. A melhor cena é, claro, aquela da ligação noturna entre Nixon e Frost, evento misterioso que fascina justamente por sua ambiguidade: existiu ou não? Sem a cena, o filme seria nada mais do que uma moldura banal para a grande interpretação de Frank Langella.

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Rachel Getting Married (2008), de Jonathan Demme

41rachelgettingÉ um filme que funciona apesar das escolhas estéticas de seu diretor: a abordagem câmera de mão + vídeo digital para contar um drama íntimo e familiar é, no mínimo, óbvia nos tempos de hoje. Aproximar a câmera da cara dos atores não quer dizer necessariamente que ficamos mais próximos deles. Os personagens e a construção das cenas, no entanto, compensam o tratamento equivocado. A filha viciada em drogas (Anne Hathaway) sai da clínica de reabilitação para participar do casamento da irmã (Rosemarie DeWitt), e é em meio a esse rito de felicidade que os traumas emergem. Os conflitos oscilam entre o fútil e o trágico, mas sempre dramaticamente bem colocados – ora desenvolvem os personagens e sua história pessoal, ora avançam a trama em direção ao belo final, uma longa sequência de casamento e festa com poucos e bons diálogos. No mais, Demme ganha crédito nas ruas por colocar o vocalista do TV on the Radio, Tunde Adebimpe, que interpreta o noivo da Rachel do título, cantando “Unknown Legend”, do Neil Young. Bem malandro.

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